30 de maio de 2009

O último beijo



O amor pode morrer? E como roubar o último suspiro?

A felicidade é como o vento: Algumas vezes é brisa que afaga; noutras tormenta que mata.

Fui feliz um dia. E o vento acariciava meu rosto como as mãos macias de toda mulher. Se existe amor, aquilo que eu sentia era a sua mais pura síntese.

Tudo estava planejado. A rota traçada, as malas prontas. Tomaríamos vinho no Sul, dançaríamos Tango em Buenos Aires, e esquiaríamos em Bariloche.

Já sonhava com suas gargalhadas de menina travessa, de suas poses para fotografias, com seus intermináveis “biquinhos”.
Aquela tensão pré-viagem me consumia. Queria que tudo fosse perfeito. Escolhi a dedo os cenários. E o roteiro.

O grande final seria um monólogo. Acalentados pelo crepitar da madeira na lareira, acompanhados por um bom vinho eu faria o pedido:

- Quer se casar comigo?

E ela já enrubescida e tomada pelos encantos de Baco que descortinava sua habitual timidez, responderia “sim” com um beijo.

O sol nem mesmo havia acordado e já estávamos nos despedindo. Ouvíamos Pearl Jam e os sorrisos pareciam fundidos num só, como nos álbuns de casamento.

Uma moldura de árvores que cresciam em linha reta, quase arranhando o firmamento enfeitava o nosso caminho. Eu a observava no banco do carona. Os olhos e a boca semicerrados, encantado com sua beleza e rindo da tênue linha entre a realidade e o sono.

Nós não tínhamos ido muito longe, uma cortina de névoa subia pelo asfalto ofuscando a visão. Um caminhão estava parado no acostamento, alguma pane, ou algum gigante poderoso e cruel o colocara ali, naquele ponto cego da rodovia. Quando vi aquele monstro de aço, busquei o pedal do freio. Senti que não conseguiria parar, então desviei para a esquerda...

Nem mil anos apagará de minha memória o barulho daquela madrugada. Os pneus cantando uma música fúnebre, os vidros estourando e rasgando a minha carne... Não sentia dor, só medo e pavor. O grito doloroso que ouvi no final matou o que restara de mim.

Quando acordei o mundo estava de cabeça pra baixo, havia pessoas por todo lado. Alguma coisa quente e viscosa escorria por entre meus olhos, fundindo-se às lágrimas inconscientes que desciam pela minha face pálida e horrorizada.

Mas de algum modo encontrei meu amor naquela manhã...

Arrastei por alguns metros sem me importar com o aço retorcido que dilacerava meu corpo. Ergui sua cabeça, ela olhou para mim. Seu rosto emitia uma sensação indescritível de paz e com um sorriso no canto dos lábios, disse:

- Abrace-me, querido, apenas por um instante...

Minhas mãos tremiam, mas de uma forma que não consigo explicar, ganharam forças e eu a segurei apertado, tentando em vão doar minha vida. Beijei-a como deve ser um beijo de amor: Intenso e pausado. Os olhos fechados. Sua respiração era lenta, podia sentir sua vida esvaindo... Roubei seu último suspiro. Nosso último beijo.

Havia encontrado o amor e sabia que naquele dia o tinha perdido. Ela se foi. Mesmo que eu a abraçasse forte, mesmo que tivesse oferecido minha vida em troca... Ela se foi.

Eu perdi meu amor, minha vida naquela manhã. Os planos, os projetos esvaíram-se como fumaça. Onde o meu amor pode estar? O amor morreu e eu roubei seu último suspiro.
PS:. Conto inspirado na música Last Kiss do Pearl Jam.