1 de setembro de 2011

Upa, cavalinho!





O homem velho não gostava de falar. Ficava o tempo todo mudo. Preferia os animais e seus cigarros enrolados a mão com precisão de máquina. Acho que ele conversava com a fumaça que subia em pequenas espirais, talvez, não sei, ela levasse consigo os segredos do velho homem.

Para ele, o dia se arrastava. Lentamente. Segundo a segundo que parecia contar. Eu via seus olhos, sem brilho, sem cor. Duas bolas de vidro trincadas. Eu via sua boca meio murcha, vincada e manchada pela nicotina de anos, se movimentar como se conversasse com alguém, como se quisesse, finalmente, falar. Mas não conseguia escutar o som de sua voz. Não. Não conseguia. O velho homem não gostava de falar.

Lembro-me de quando eu era criança. Gordinho, chorão e pirracento. Lembro-me do velho homem chegando em casa, trajando uniforme cinza com cheiro de suor, cigarro e de longe, uma fragrância de sabonete. Ele não era velho. Cabelos pretos, barba preta bem aparada, rosto sorridente e voz grave. Gritava meu nome. E eu corria para abraçá-lo. Sentia o gosto meio acre de suor, sentia o pelo da barba espetar meus lábios, mas não me importava. Esperava o dia inteiro por aquele momento. De repente ele ficava de quatro e eu montava em suas costas. Não fazia ideia do meu peso. E o homem magrelo suportava, sem reclamar.

— Upa, cavalinho! Upa, cavalinho! — era o que eu gritava entre gargalhadas.

O velho homem não gostava de falar. Ficava o dia inteiro enrolando seus cigarros. Abria o papelzinho, colocava uma medida de fumo, enrolava, e depois, com a língua umedecida, selava-os. Era sempre assim.

Fazia muito tempo que não ouvia sua voz. Eu me esquecera de como era a sua voz. Eu me esquecera de como era seu sorriso.


Eu me esquecera.

Assustei-me quando ele, o homem velho, tocou em meus ombros e disse:

— Por que não conversa mais comigo? — havia um brilho molhado em seus olhos. Não havia mais trincas. — Upa, cavalinho! Upa, cavalinho...