14 de dezembro de 2009

Vó Mariinha

As coisas simples da vida me impressionam. Acho que a sofisticação vem da simplicidade. De ser e aparecer.
Vó Mariinha é dessas coisinhas simples da vida. Acumula dezenas de primaveras, verões, invernos e outonos. Sua idade é um mistério. Mas já passou com sobra dos oitenta.
Casou-se aos dezesseis e vieram os dez filhos. Nasceu, cresceu e vive na roça. Algumas vaquinhas no pasto, galinhas, gatos, cachorros e um porquinho na engorda. Gordura e carne para o ano inteiro. Ovos fresquinhos, queijo e leite com fartura. Dá até pra ganhar uns trocados.
Uma vez por mês vem até à cidade. Receber sua aposentadoria. Cartão enfiado na máquina, senha decorada, nada de papelzinho lembrando. Vai ao supermercado, faz sua compra mensal. Os itens da lista, já sabe de cor e salteado. Ela mesma conta o dinheiro, recebe o troco e assina a promissória para o próximo mês.
Benzedeira. Corta cobreiro bravo, espinhela caída, olho gordo e outras coisas mais. E corta mesmo! Mulher de fé. De atos, atitudes e coragem. Sem meios termos, sem meias respostas. Direta. Na carne. Na veia!
Vaidosa. Permanente no cabelo. Sobrancelha delineada; batom carmim. Unhas pintadas; colares coloridos adornam o pescoço, escondendo as rugas. Passos apressados lembram uma formiguinha em sua labuta diária.
Contadora de causos. Histórias de João Brandão que desafiou o diabo; da mulher que se apaixonou pelo carcará, dos capetinhas sentados nos galhos da gameleira e outras mais. Escreve e lê sem ajuda dos óculos, as mãos são firmes, fortes, colossais. Mulher prendada: faz crochê, costura, remenda, lava, passa, capina, ordenha, faz queijo, biscoito de polvilho. Ouvidos atentos às notícias do rádio. Sabe tudo. Como anda a economia, fala com desenvoltura sobre o aquecimento global e até da bolsa de valores entende.
Outro dia me perguntou o que era internet e computador. Esse trem que todo mundo fica falando. Mostrei-lhe o que era. Ficou desapontada, percebi a ponta de frustração em seu semblante sereno. Talvez imaginasse uma coisa de outro mundo, como seus casos sobrenaturais. Era apenas mais uma maquininha parecida com seu televisor obsoleto, jogado no canto do seu quarto. Perguntei-lhe o motivo de nunca ligá-lo. A resposta veio simples, direta, na carne:
Pra quê ligar?
Voltou para sua casa. Na roça. É melhor cuidar das vaquinhas, do porquinho, dos cachorros...