11 de abril de 2010

Quarto de hotel


Ela caminhava de tal forma que seus passos mal tocavam o chão encharcado. Seu estado de torpor a impedia de visualizar o brilho viscoso que escorria pelas folhas marrons queimadas pelo sol de outrora. Zunidos martelavam em seus ouvidos, abafando o som nervoso dos bueiros que engoliam a densa enxurrada alaranjada.

Parou. Ajeitou o capuz preto sobre a densa cabeleira loira — que naquele momento tinha cor de cabelo de molhado. Com um movimento automático apanhou o crucifixo de ouro que pendia sobre o peito e enfiou a haste sob a unha limpando a pequena nódoa. Voltou a caminhar. Um filme passava quadro a quadro, misturando-se às imagens apressadas da metrópole, como em uma película de cinema mudo. E agora tudo era negro, cinza e vermelho. Alcatrão. Fumaça. Sangue. Zunido...

A porta estava escancarada. Dois corpos jaziam. Dentes brancos esboçando sorrisos de felicidade em meio à miséria. Um misto de vergonha, medo e... prazer. O fedor nauseabundo da morte rodopiava entre as paredes do hotel fundindo-se ao cheiro de lavanda barata e naftalina. Ela ainda conseguia visualizar a cena anterior: um homem magro sobre a cama desfeita. O lençol meio caído, meio esticado, indicava que ali houvera ação. Seu bigode ralo fazia as vezes de um filtro extra para a fumaça do cigarro que serpenteava das narinas e boca. O corpo suado recendia a sexo. Ao prazer libidinoso da carne.

Ela estava nua ao seu lado e sorria. Seus dedos finos tocavam a pele manchada do homem, fazendo-o se contorcer, talvez pelas cócegas do atrito, talvez pelo acúmulo de energia sexual, ou quem sabe, por algum capricho da anatomia humana. Estremeceu ao se lembrar dos momentos de êxtase e apertou as pernas. Deleitava-se naquele antro. Era feliz. Mas sentia remorso. Olhou para o espelho e percebeu que seu reflexo estava cortado por uma linha mofada. Passos apressados cortaram o corredor e se estacionaram junto à porta. Um barulho seco. Flagrante.

Um homem alto e gordo arfava. Suas mãos tremiam em grandes solavancos. Os olhos injetados de sangue davam-lhe ares de fera. Pronta para atacar. O indicador em riste apontava. Sinalizava. Em um átimo, o mesmo indicador flexionava o gatilho do revólver. Um tiro. Trovões raivosos estouravam do lado de fora e entravam pelas frestas das janelas. Sem gritos. Sem polvorosa.

Vestiu a roupa e saiu apressada. Não teve coragem de fitar o homem gordo que agora abraçava o corpo ensanguentado. Muito menos pôde ouvir suas palavras:

“Há uma certa vergonha em sermos felizes perante certas misérias” ... nossa felicidade era apenas uma máscara. Uma sombra. A sombra de uma mentira.

Outro estampido ecoou pelo quarto. Mas ela já estava longe, de volta ao convento.