23 de dezembro de 2009

Um Conto de Natal

A caixinha estava aberta. Os dedos bem cuidados formavam uma pinça. Apanhou um bocado de uma vez. Cinco ou seis. Os olhos cansados e o cérebro torpe não se atinham aos detalhes. Meros detalhes. Ouvia sua música preferida e tragava com força o cigarro espremido entre o indicador e o dedo médio. Meia garrafa de vodka repousava sobre a mesinha de centro, a outra metade arrancava-lhe as máscaras e os medos.

Olhou para o ursinho de pelúcia gordinho. Presente do passado, lembrança para o futuro. Ele sorria. Um sorriso que as crianças adoram. Xingou-o. Vomitou sua bílis de agonia e tristeza. Ele era o culpado. Aquela pelúcia fofinha e rechonchuda não poderia ser tão, tão... Sem respostas. Devaneios e embriaguez. Riu e chorou.

Fogos de artifício e risos altos formavam uma sinfonia de graves e agudos descompassados ecoando como um soneto tragicômico. A tela da TV parecia uma pintura abstrata em preto e cinza. O calendário na parede hachurada mostrava uma data: 24 de dezembro. Véspera de Natal. Havia se lembrado mais cedo da importância daquela data. Época do ano que todos gastam em demasia. Formam-se filas quilométricas nos centros das metrópoles; centros de consumo abarrotados, gente brotando como sementes férteis em solo adubado e regado. Fizera a mesma coisa. Presentes. Vários presentes. Gostava de agradar. Gostava de receber sorrisos sinceros. Moeda valiosa.

O pedaço retangular de papel tremia em sua mão. Balançou a cabeça para um lado e para outro. Sinal de insatisfação. Xingou novamente e dessa vez foi um bramido metálico. Tinha a certeza que não seria ouvido e bramiu mais uma vez. Os ponteiros do relógio estavam unidos. Horas e minutos no mesmo lugar. Meia noite. Um grito angustiado. Sufocado. Ficou preso em sua garganta. Na mesinha de centro o visor do celular piscava. Conhecia o número. Uma carinha sorridente associada. O coração disparou. Pensou em não atender. Não entenderia seus motivos e aquela vozinha causava-lhe reações que desconhecia. O aparelho ainda piscava. Atendeu com voz engrolada pela vodka e pela ânsia de um choro iminente.

Feliz Natal, papai!

Amaldiçoou a companhia aérea e as chuvas que impediram seu vôo para casa. Enfiou a mão na caixinha e apanhou mais um punhado de seus caramelos favoritos, a única coisa capaz de adoçar aquele momento insípido. A voz titubeou ao responder. Ele só queria dizer:

Feliz Natal! Te amo, meu filho.