Enquanto devaneio, a chuva lava as ruas da cidade que não para.
Tomo um gole de café quente. Forte e doce, do jeito que só
eu sei fazer. Acendo um cigarro e deixo os dedos descansando sobre as teclas do
computador.
Trago a fumaça e solto uma baforada de alcatrão, nicotina
e outras substâncias prejudiciais à saúde. Sentado no sofá, pernas cruzadas, olhos perdidos no vazio, vejo a fumaça subir em
pequenas espirais e se desfazer no percurso até se desmanchar no teto encardido
do apartamento.
Imagino a vida.
Intensa no início e com o passar do tempo vai se esvaindo
até se dissipar por completo. É a lei natural das coisas: nascemos, crescemos e
por fim, morremos. Não adianta tentar pegar a fumaça! Ela escapa por entre os
dedos.
E nesse trajeto a gente aprende que as limitações nos tornam
mais fortes e mais flexíveis. Que a falta de dinheiro nos ensina a pechinchar e
eliminar o supérfluo. Que o cumprimento de um desconhecido nos faz sentir
observado e importante. Que errar nos ensina a ter jogo de cintura. Que as
pessoas preguiçosas são as mais criativas, elas inventam artifícios para ganhar
tempo e facilitar a vida. Que quem muito reclama pouco produz. Fica preso às
suas reclamações. Que engolir sapos não é tão ruim quando se têm objetivos. E
devolver os sapos engolidos é bom demais!
Que chorar não lava a alma, dá rugas.
Que sentir raiva estraga o fígado e produz mau hálito.
Que um papo informal é muito melhor que uma conversa
carrancuda e formal.
Que regras existem para serem quebradas, violadas,
reinventadas...
Que um sorriso sincero é o mais belo gesto de amizade.
Que grandes amizades nascem em mesa de boteco.
Que um amor impossível nos faz enxergar a vida com outros
olhos, nos motiva a encarar cada dia de forma única, nos permite observar os
mínimos detalhes antes despercebidos pela nossa insensibilidade. Torna-nos mais
vaidosos e preocupados com nossa aparência e bem-estar. Motiva-nos a ser sempre
melhor, melhor em tudo, mais bonito, mais competente, mais atraente...
Até que encontremos um outro novo amor impossível...
E aí, começarmos tudo outra vez!
Que a vida é uma escola, e que seremos eternos alunos.
Que viver é ser, e fazer os outros felizes!
E isso é bom demais!
Lá fora, a chuva ainda cai, observo a fumaça do
cigarro que está no fim... São apenas espirais.
Espirais de fumaça.